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SINHÔ: POLÍTICA, BOEMIA E SAMBA

18/11/2014
No cartório foi registrado com o nome de José Barbosa da Silva e na vida boemia do Rio de Janeiro do início do século XX ficou conhecido como Sinhô. Nascido em 18 de setembro de 1888 e logo pegando gosto pela música, tirou as primeiras notas no piano do avô. Pelos idos de 1913 participava das rodas de samba que aconteciam no terreiro da Tia Ciata (1854-1924) ao lado de Pixinguinha (1897-1973) e Donga (1889-1974). A vida dionisíaca na noite carioca trouxe muita inspiração para suas composições musicais. Segundo alguns historiadores, Sinhô reivindicou a autoria do primeiro registro fonográfico de um samba, chamado "Pelo Telefone". A controvérsia ainda hoje causa polêmica, pois os créditos foram para Donga e Mauro de Almeida (1882-1956). 

Sinhô compôs clássicos do samba como "Fala Baixo", que ironizava o então Presidente da República Artur Bernardes (1875-1955) e que lhe trouxe alguns problemas políticos. A letra apesar de parecer infantil denunciava a censura policial da época, além de citar o apelido indesejado do mandatário do Brasil, que era "Rolinha". 

Sinhô clamava:
Quero te ouvir cantar 
Vem cá, rolinha, vem cá 
Vem para nos salvar 
Vem cá, rolinha, vem cá 
Não é assim 
Não é assim 
Não é assim 
Que se maltrata uma mulher 
És a minha paixão 
Vem cá, rolinha, vem cá 
És o meu coração 
Vem cá, rolinha, vem cá 
Não é assim...

Sinhô também faz uma sátira à derrota do soteropolitano Rui Barbosa (1849-1923) na eleição presidencial de 1919 para Epitácio Pessoa (1865-1942). Rui Barbosa, um dos mais conceituados oradores brasileiros que ficou "mudo" com a incipiente votação na corrida eleitoral. A canção foi "Fala Meu Louro".

A Bahia não dá mais coco
Para botar na tapioca
Pra fazer o bom mingau
Para embrulhar o carioca.
Papagaio louro do bico dourado
Tu falavas tanto
Qual a razão que vives calado.
Não tenhas medo
Coco de respeito
Quem quer se fazer não pode
Quem é bom já nasce feito.

Durante um recital do Clube Antropofágico realizado no Teatro Municipal de São Paulo, em meados de 1929, Sinhô apresentou o seu novo samba para o então candidato a presidência do Brasil, Júlio Prestes (1882-1946). A música com tons de peça de campanha exaltava o paulista que foi imposto por Washington Luís (1869-1957) e que saiu vitorioso nas urnas, mas não conseguiu assumir a cadeira de representante máximo da nação. A Revolução de 1930 e Getúlio Vargas (1882-1954) tiravam de São Paulo a sua supremacia na política nacional. A letra dizia assim:

Eu ouço falar
Que para nosso bem
Jesus já designou
Que seu Julinho é quem vem.

Deve vir esse caboclo
Para matar minha saudade,
Para o rico ser leal
No coração da humanidade.
Olé
Eu ouço...


Essa história que anda aí
Dizem que pra ganhar vintém,
Ele não precisa disso
E de aproveitar também.
Olé

Eu não quero que esse samba
Vá contrariar alguém...
O caboclo é da fuzarca
E só trabalha para o bem.
Olé


A canção "A Favela Vem a Baixo" denunciava o projeto de derrubar o Morro da Favela defendido pelo urbanista francês Alfred Agache (1875-1959) em 1927. O Plano Agache foi a primeira tentativa de remodelação urbana na cidade do Rio de Janeiro no final dos anos 1920 e claro, as classes populares não podiam fazer parte desta nova paisagem. Sinhô alertava: 

Minha cabocla, a Favela vai abaixo
Quanta saudade tu terás deste torrão
Da casinha pequenina de madeira
que nos enche de carinho o coração.

Que saudades ao nos lembrarmos das promessas
Que fizemos constantemente na capela
Pra que Deus nunca deixe de olhar
por nós da malandragem e pelo morro da Favela
Vê agora a ingratidão da humanidade
O poder da flor sumítica, amarela
Quem sem brilho vive pela cidade
Impondo o desabrigo ao nosso povo da Favela.

Minha cabocla, a Favela vai abaixo
Ajunta os troço, vamo embora pro Bangú
Buraco Quente, adeus pra sempre meu Buraco
Eu só te esqueço no buraco do Caju.

Isto deve ser despeito dessa gente
Porque o samba não se passa para ela
Porque lá o luar é diferente
Não é como o luar que se vê desta Favela
No Estácio, Querosene ou no Salgueiro
Meu mulato não te espero na janela
Vou morar na Cidade Nova
Pra voltar meu coração para o morro da Favela.

Sinhô é considerado um dos ícones do samba brasileiro. Sua morte em 1930 no dia 24 de agosto de 1930 foi tão  impactante no cenário musical da época que mesmo depois de algumas décadas, o poeta Manuel Bandeira (1886-1968) escreveu uma crônica intitulada "O enterro de Sinhô" relatando seus encontros e desencontros com o sambista e descrevendo o velório de um dos mais importante intérpretes da música negra do Brasil. Na narração do poeta pernambucano, o espaço destinado ao evento não comportava todos os seus admiradores, pois:

"A capelinha branca era muito exígua para conter todos quantos 
queriam bem ao Sinhô, tudo gente simples, malandros, soldados, 
marinheiros, donas de rendez-vous baratos, meretrizes, chauffeurs, 
macumbeiros (lá estava o velho Oxunã da Praça Onze, um preto de 
dois metros de altura com uma belida num olho), todos os sambistas 
de fama, os pretinhos dos choros dos botequins das ruas Júlio do 
Carmo e Benedito Hipólito, mulheres dos morros, baianas de 
tabuleiro, vendedores de modinhas..."

A obra musical de José Barbosa da Silva, o Sinhô, torna-se imortal. Sua poesia ecoa pelas ruas, seus acordes tocam nas rodas de samba, suas marchinhas animam os bailes de carnaval por todo o Brasil. E para nós fica a lição, samba não é só diversão, também é aula de História e de política.

Sidney Barata de Aguiar – Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Professor das redes públicas de educação do Estado do Amazonas e do município de Manaus. Secretário de Organização do SINTEAM. Contato: aguiar_sidney@yahoo.com.br
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