O CHOQUE DO FALCÃO
Os morros cariocas são dominados por organizações criminosas desde a década de 1970.
Este poder paralelo é financiado principalmente, pelo tráfico de drogas.
A favela tornou-se uma região proibida e nestes territórios urbanos existe uma realidade ainda pouco revelada.
Nos noticiários só temos as imagens de confrontos entre traficantes e policiais, troca de tiros entre quadrilhas rivais ou moradores sendo vítimas de balas perdidas oriundas de armas de fogo.
Na escuridão da noite da capital fluminense, em cima das lajes está o Falcão observando.
O Falcão é o jovem que vigia e toma conta da favela.
Com esta explicação começa uma das obras cinematográficas mais viscerais do chamado documentarismo brasileiro.
Trata-se de Falcão: meninos do tráfico, dirigido pelo rapper (cantor de música rap) carioca MV Bill e seu empresário Celso Athayde em 2006 e realizado pela Central Única das Favelas (CUFA).
O Falcão não pode fechar os olhos, sua missão é impedir qualquer tipo de invasão, seja de forças policiais ou de facções criminosas inimigas.
Falcão são crianças e adolescentes absorvidos para as diversas funções menores da hierarquia e das linhas de produção montadas pelas quadrilhas de traficantes.
O Falcão pode ser o vapor, que distribui a droga no varejo, o fogueteiro (contenção) que alerta com a explosão de fogos de artifícios qualquer perigo e soldados, que fortemente armados enfrentam qualquer problema com balas de grosso calibre.
A película mostra diversas histórias verdadeiras de crianças e adolescentes alistados pela bandidagem.
Os produtores do vídeo têm a honestidade de mostrar que o problema do tráfico de drogas e da segurança pública não é exclusividade do Estado do Rio de Janeiro. Mas está capilarizado em todas as grandes capitais e cidades do território brasileiro.
O documentário preza por trazer a realidade mais pura e cruel possível, feito por quem tem autoridade e permissão para entrar em locais hostis, onde os sistemas de segurança e os poderes públicos não são capazes de adentrar.
Falcão: meninos do tráfico choca por ser figadal.
Choca por mostrar de perto personagens reais.
Choca por entender que existe uma verdadeira cultura de ostentação de armas e da violência.
Choca por que já naturalizamos a violência imposta, seja ela praticada pela autoridade policial ou pela própria malandragem.
Choca ao ver crianças portando armas de guerra produzidas em um tempo em que o mundo vivia em blocos hegemônicos antagônicos.
Choca por saber que armamento israelense é disparado nas vielas.
Choca por ter contato com fuzis norte-americanos usados para invadir o Iraque no início do século XXI.
Choca por ver números e estatísticas de mortes tão altas que superam conflitos armados localizados no Oriente Médio ou da quinquagenária contenta política na vizinha Colômbia.
Choca por saber que crianças são testemunhas, vítimas e protagonistas das maiores atrocidades que um ser humano pode cometer contra seu próximo.
Choca por que somos obrigados a reconhecer o total descaso do Estado com esta juventude pobre e marginalizada.
Choca por que nesta sociedade do medo não podemos sair de nossas casas.
Choca por que se não conseguirmos minimizar as conseqüências da violência urbana, nós seremos as próximas vítimas.
Choca por que exigimos que a polícia prenda, o juiz assine a condenação e o carcereiro jogue a chave fora.
Choca por termos a certeza que estamos perdendo esta guerra.
Choca por que precisamos de mais escolas e menos balas de fuzil.
*Sidney Barata de Aguiar: Mestre em História Social pela UFAM. Professor da Secretaria de Estado de Educação e Qualidade de Ensino do Estado do Amazonas (SEDUC/AM) e Secretaria de Educação do Município de Manaus
(SEMED).