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DÊ-NOS OUVIDOS! O HIP HOP E A SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

12/11/2013
O hip hop é atualmente um fenômeno cultural de amplitude mundial. Casas noturnas em volta do globo tocam os sucessos dos maiores rappers (cantores de música rap) da atualidade, que vendem milhões de cópias de seus álbuns. A indústria de vestuário e calçados investem pesado na chamada streetwear (moda de rua). Rádios comunitárias e comerciais em todo o território brasileiro tem em suas programações musicais, o estilo de música rap.
O hip hop nasceu no início da década de 1970 nas ruas de cidades norte-americanas e foi batizado por um dos seus pioneiros, o dj Afrika Bambaataa . Hip hop significa em uma tradução livre, mexer os quadris. O hip hop é formado por quatro elementos básicos: o rap, o dj, o break e o grafitti. 

No início da década de 1980 no Brasil, estudantes, ativistas, esportistas, artistas, cantores, trabalhadores e políticos consagrados declaravam o apoio à redemocratização do país depois de duas décadas de regime de exceção militar (1964-1985).

 Nas periferias das maiores cidades brasileiras, dezenas de jovens arquitetavam também conquistar seus espaços. Precisavam sair de um processo imposto de invisibilidade histórica, necessitavam ter suas reivindicações no mínimo ouvidas, debatiam o preconceito racial e social sentidos por eles. Pois, segundo Hannah Arendt (1993), a exclusão envolve a negação da própria condição humana, não permitindo a possibilidade da ação, dificultando a própria realização como sujeitos sociais. 

Nos bairros pobres, a voz da juventude negra, parda, menos privilegiada que diariamente tinham seus direitos básicos negados (ROSE, 1997, p. 202) espalhava um rastilho de pólvora. A “luta armada” estava prestes a ser declarada, municiados com microfones, toca-discos, latas de tinta spray e o próprio corpo explodiria nas ruas. Era o prenúncio de uma verdadeira revolução sonora e verborrágica. Este exército não aceitaria um armísticio enquanto houvesse exclusão social, violência policial, a falta de políticas públicas sérias e principalmente, a existência de uma pobreza extrema. Segundo Yves Pedrazzini, “a pobreza é a última violência das sociedades pacificadas e democráticas, mas é a mais terrível, porque o castigo imposto pelas camadas dominantes não a elimina” (2006, p. 18). O hip hop “permitiu à juventude negra sentir-se capaz de expor seus ideais e se orgulhar da sua origem e cultura” (SOUZA, FIALHO, ARALDI, 2008, p. 19). 

Para Marco Aurélio Paz Tella, o rap “é um instrumento de contestação da realidade social” (ROCHA, DOMENICHI, CASSEANO, p. 31). Para o filósofo Lionel K. McPherson em estudos sobre Thomas Hobbes e hip hop, sugere que o rap é politicamente revolucionário (2006, p. 172).

Podemos considerar o hip hop como resultado visível do processo da diáspora africana e forma de resistência negra em todo o continente americano. Compreendido como um instrumento de ligação e construção, reconstrução identitária individual, de grupos afrodescendentes transportados pelas águas do oceano Atlântico para o “Novo Mundo” (GILROY, 2001).

O hip hop é um fenômeno nascido e criado nas periferias das cidades e não deve mais ter omitida sua importância para uma parte da juventude amazonense que possui seus códigos, símbolos, estéticas, relações de poder, formas próprias de sociabilidade e, claro, constroem suas identidades, utilizando e apropriando-se destes espaços urbanos.
No ano de 1985, centenas de pedestres que observavam as promoções estampadas nas vitrines das lojas de confecções e eletrodomésticos na Avenida Eduardo Ribeiro, no centro da cidade de Manaus, deparava-se com uma nova e curiosa forma de atrair a atenção dos consumidores. Alguns jovens ligavam um enorme som estéreo, comprado na pujante Zona Franca e “quebravam” os ossos em movimentos curiosos, imitavam robôs e caminhavam na gravidade lunar.  Dançavam embalados pela trilha sonora de Rock it, de Herbie Hancock, Sequencer, de Al di Meola, e os sucessos de Michael Jackson. Caracterizados com calças esportivas, sapatilhas pretas, bonés coloridos, luvas brancas e óculos escuros. Conseguiam ajudar os vendedores e recebiam ainda, boas gorjetas. 

Desta maneira, foram dados os primeiros passos da dança break em terras manauaras. A onda da dança break virou febre em várias capitais brasileiras e Manaus não foi diferente. A juventude influenciada pelos vídeos e filmes estrangeiros (ROCHA, DOMENICHI E CASSEANO, 2001, p. 49/50), mesmo de uma forma amadora e improvisada começaram a praticar as iniciantes coreografias desta inusitada forma de expressão corporal.

Para Simão Pessoa, os primeiros dançarinos de break norteamericanos na década de 1970 elaboravam suas performances “nas ruas junto a blocos de concreto e placas de sinalização de trânsito e fizeram com que as ruas se tornassem teatros e centros provisórios para a juventude” (2000, p. 118).

As casas noturnas de Manaus em meados da década de 1980, como Bancrevea Clube e Cheik Clube, transformaram-se nos pontos de encontro desta “galera” praticante da dança. A Praça da Saudade e a Praça da Matriz foram os espaços prediletos para as apresentações e disputas entre o b. boys (breakers boys como também são chamados os praticantes do breakdance) manauaras. Desta maneira, os b. boys aravam o território e plantavam as sementes do que viria a florescer como o chamado MHM (Movimento Hip Hop Manaus) na capital do Estado do Amazonas em 1994. Sigla que abrange grupos de rap, crews (equipes) de breakdancers (dançarinos de break), grafiteiros, dj’s e Posses (galeras). Ao longo de quase vinte anos de existência o MHM continua sua luta pela divulgação e promoção de projetos sociais voltados para a juventude pobre das periferias de Manaus. Insistindo em preparar shows para a comunidade e organizar trabalhos beneficentes como acontece em diversas cidades brasileiras. 

O hip hop pode ser percebido espalhados pelos muros do centro velho de Manaus, em viadutos, postes de iluminação pública, representado pelos traços e pelo colorido dos grafittis e por suas mensagens plásticas, que ao olhar descuidado ou não habituado a esta linguagem visual, os confundem na maioria das vezes com a pixação (os pichadores preferem utilizar este termo, pois foge do convencional que está nos dicionários), rejeitando o talento destes jovens artistas que sentem a necessidade de transmitir suas ideias e faz uso do espaço urbano, que se apresenta como uma grande tela para as manifestações da arte criada com rolinhos de pintura e tinta spray, por que no graffiti as paredes falam. 

Ainda hoje, centenas de jovens reúnem-se para divertirem-se e trocar experiências nos chamados “bailes” que acontecem todos os finais de semana nas periferias mais distantes.

No início da década de 1990, chegou em minhas mãos um LP (Long Play) de um grupo de música rap norte-americano chamado Fat Boys. Na capa do disco de vinil havia três enormes afrodescendentes, trajando jeans, tênis e apresentavam uma atitude desafiadora. Mas, o que mais chamou a minha atenção, foram os cartazes em preto em branco colados na parede de tijolos que serviam de cenário. Pixadas com tinta e com cartazes da campanha Free Mandela. Eram anos de luta pelas liberdades políticas na África Sul e o combate ao sistema segregacionista do Apartheid (sistema político de segregação praticada pela minoria branca em detrimento de uma maioria negra), era pauta de debates e a música não deixou de dar a sua contribuição para a libertação de Nelson Mandela. Advogado e militante político do CNA (Congresso Nacional Africano) que esteve preso em quartéis e presídios de segurança máxima sulafricanos  desde meados do século XX. No final dos anos 1990, Mandela seria eleito o primeiro presidente negro, celebrando assim, uma nova fase de convivência entre negros e bancos naquele país.

Venho ao longo de alguns anos escrevendo sobre o tema, debruçando-me sobre o hip hop e sobre o movimento negro como dirigente da UNEGRO (União de Negros pela Igualdade) em nosso município. Contribuindo para a discussão sobre ações afirmativas como o sistema de cotas sociais e raciais nas universidades brasileiras, reconhecimento de comunidades quilombolas, a defesa do livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana, a implantação do Estatuto da Igualdade Racial (Lei n° 12. 288, sancionada pelo Governo brasileiro, em 20 de outubro de 2010) e a promulgação da Lei n° 10. 639 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394, de 1996) incluindo no currículo escolar do Ensino Fundamental e Médio a obrigatoriedade de ensino de História e Cultura Afro-brasileira.   

Deste envolvimento, fui apreendendo informações que hoje compreendo como fundamentais deste movimento sócio-cultural para a conscientização de jovens em todos os lugares. Assim a categoria experiência utilizada pelo historiador inglês Edward Palmer Thompson, abre um leque de oportunidades para o pesquisador verdadeiramente comprometido com o seu tema.

Grande parcela da população manauara, não tem a menor ideia do que seria o hip hop, apesar de ouvir a música rap nas ondas do rádio, deparam-se chocados com as linhas do grafitti nas paredes abandonadas e ficam admirados com as performances da dança break nas calçadas. Na realidade, quando se fala de hip hop, associa-se imediatamente, a ideia de uma juventude envolvida com o mundo da marginalidade, vítimas e protagonistas da violência ocorrida nas periferias e com o consumo de drogas ilícitas.

Estas linguagens do hip hop, comumente são ligadas a uma apologia à violência, mas não podemos esquecer que estas expressões são frutos de sentidos de uma realidade social, que é uma construção histórica. Os hip hoppers (adeptos do hip hop) tem em suas linguagens, mensagens que tentam criar uma mudança social radical. Neste embate ideológico da vida cotidiana, onde o “teatro de guerra” são as “quebradas” do  Brasil, entendo esta linguagem como uma força contra-hegemônica (GRAMSCI, 1986) à estrutura burguesa imposta.   

Fica claro, que o movimento hip hop noEstado do Amazonas tem novas propostas e a sociedade amazonense não pode deixar de no mínimo dar atenção a esta juventude, oriunda das periferias que clama por espaço e fazem da arte uma válvula de escape. Neste mêsque tanto se debate a questão negra, parda, quilombola e cabocla no Brasil, façam um favor: Dê-nos Ouvidos!

Sidney Barata de Aguiar – Mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Professor da rede pública de educação do Estado do Amazonas e do município de Manaus. Secretário de Organização do SINTEAM e diretor da UNEGRO (União de Negros pela Igualdade) Manaus. Contato: aguiar_sidney@yahoo.com.br 

BIBLIOGRAFIA

ARENDT, H. A condição humana. São Paulo: Forense Universitária, 1993.

GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência / Paul Gilroy; tradução de Cid Knipel Moreira. – São Paulo: Ed. 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da História. 6. Ed. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileiro, 1986.

McPHERSON, Lionel K. Revolução a meio caminho: Daquele gangsta Hobbes aos Liberais radicais. In. DARBY, Derrick, SHELBY, Tommie. Hip hop e Filosofia. Tradução Martha Malvezzi Leal. São Paulo: Madras, 2006.
PESSOA, Simão. Funk a música que bate: uma revolução sonora que conquistou o planeta. Manaus: Coletivo Gens da Selva / Editora Valer, 2000.

PEDRAZZINI, Yves. A violência das cidades / tradução de Giselle Unti. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
ROCHA, Janaina, DOMENICHI, Mirella e CASSEANO, Patrícia. Hip hop: A periferia grita. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2000.

SOUZA, Jusamara. Hip hop: da rua para a escola / Jusamara Souza, Vania Malagutti Fialho e JucianeAraldi. 3° Edição – Porto Alegre: Sulina, 2008.

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